"Não sou policial da língua"
Por Marina Jarouche
Comecei a trabalhar como revisora meio sem querer. Era assistente de um pesquisador e parte do trabalho incluía revisar seus textos. Dali, muito sem querer também, acabei caindo no departamento de Produção de uma agência de propaganda. E foi assim que minha carreira de revisora começou de fato.
No começo, eu tinha essa impressão de ser uma “policial da língua”. Com o tempo, e o amadurecimento, essa postura foi dando lugar ao prazer de trabalhar o texto, de lidar com toda a riqueza da língua.
Hoje, não vejo de forma alguma o trabalho como mecânico. O revisor faz muito mais do que ir atrás de erros com uma lupa.
É preciso, sim, óbvio, buscar aqueles errinhos que perturbam a leitura, como os de digitação, os de concordância, os deslizes clássicos.
Mas esta é só a primeira leitura, para limpar o texto. Acredito que nosso trabalho consiste em ser capaz de enxergar a peça no todo, com respeito ao contexto, ao autor, ao leitor e às inúmeras opções que a língua brasileira nos dá.
Os corretores não substituirão os revisores
Aplicativos e corretores ajudam bastante, pois pegam facilmente erros básicos. Contudo, para o corretor, existe apenas o certo e o errado. E não é tão simples assim. A leitura do revisor percebe e acolhe as nuances e as pegadinhas da língua.
As competências que o ofício do revisor exige
Falando do meu mundinho minúsculo, considerando minha experiência e todos os erros que já cometi, acredito que as competências de um revisor devem ser: atenção; paciência; humildade e desconfiança.
Atenção
Uma palavra do começo do texto pode determinar uma concordância feita lá no meio. E, se estiver desatento e apenas olhando letras individualmente, esse contexto se perde.
Paciência
Às vezes, no afã de “meter a caneta vermelha”, trocamos seis por meia dúzia, ou até mesmo o certo pelo errado. Não dá para revisar texto correndo; é preciso dispor de tempo para pesquisar, confirmar uma grafia, checar regência etc.
Humildade
Não é por desgostar de uma palavra que ela está errada. Não podemos nos esquecer de que o texto não é nosso, nossa função é de parceria. Não custa nada consultar o autor antes de uma mudança desnecessária.
Desconfiança
A língua é complexa, a infinidade de gramáticas, manuais de redação e livros de dúvidas atestam isso. É impossível saber tudo, por isso, precisamos duvidar de nossas certezas. Às vezes, a palavra está ali, redondinha, parece tão certa, aí, você vai ver, pá: tem hífen; ou essa concordância não se faz assim; ou ainda: essa preposição muda completamente o sentido do verbo.
Revisão e criatividade
Durante estes anos, percebi que o revisor traz o benefício do olhar fresco. Às vezes, o autor pode não perceber algum ruído no texto. Então, com delicadeza e cuidado, o revisor pode levantar pontos que façam o autor pensar em outras saídas. Não precisa ser necessariamente uma mudança, mas apenas uma reflexão sobre algo que chamou sua atenção e pode levar o autor a uma nova ideia.
Post it
Considero que faço um bom trabalho quando sou capaz de parar na frente do texto e admirá-lo, pensar em todas as possibilidades que existem ali, entender as opções do autor e, só então, partir para a correção do que realmente for necessário.