Aba Akaûã

"E quando o gentio vai de noite pelo mato que se teme das

cobras, vai arremedando estes pássaros para as cobras

fugirem.Tratado do Brasil, Frei  Luís de Sousa,

citado na pág. 25, do Dicionário Tupi Antigo,

Eduardo de Almeida Navarro.

 

O Abaporu imortal foi gerado no ninho das Anhumas, à beira do rio Tiête. E assim permaneceria, enquanto cumprisse sua missão: percorrer as aldeias de Piratininga, gerando e zelando pela sua prole e a dos parentes. Esse foi o desejo da cunhã que lhe deu vida, com a aprovação de Tupã.

Sua imortalidade despertou a curiosidade gananciosa de alguns perós, os portugueses,  e a inveja de outros abás, que não tiveram o mesmo destino do Abaporu. 

Tramaram seus inimigos enfraquecê-lo justamente em suas idas e vindas, momentos em que o Abaporu aproveitava para dialogar com a fauna e a flora, e enriquecer desta maneira seus conhecimentos. 

Ganância e a inveja corromperam os caminhos do Abaporu; envenenaram o ar e as águas. 

Com a fauna e a flora minguando, afetadas pela contaminação, só as serpentes e ervas daninhas vicejavam. A alma pura do Abaporu ignorou os riscos. Enfraquecida, adoeceu.

Para livrar-se do mal, a cura exigiu dele períodos de abandono, meditação e repouso. Tristeza sem fim o abateu.

Tupã veio em seu socorro. Numa noite de sono, o Abaporu sonhou raios, ventos e tempestades como nunca Piratininga conheceu. O imortal despertou do silêncio que se segue às grandes catástrofes, atraído pelo som estridente do canto de uma acauã que, ao seu lado, velava pelo seu sono.

Dela soube que, a partir daquele instante, seu nome não seria mais Abaporu, mas Abacauã. Disse mais a fêmea do falcão: que, unida a ele, ela permaneceria para sempre. Porque assim, ele poderia voltar a caminhar despreocupado, imune às picadas das serpentes venenosas.

Desde então, quando na escuridão do ponto mais alto dos campos de Piratininga, a Kaagûassu, se ouve o canto da acauã, se sabe: é Abacauã espantando as serpentes, para prosseguir em sua missão. 

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* Como no célebre Abaporu, abacauã é um palavra inventada,  inspirada em dois termos da língua tupi-guarani. A narrativa acima é uma fábula distante no tempo das crenças dos povos originários, a quem o autor respeitosamente reverencia, homenageia e agradece pelos ensinamentos.

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