Simone e a velhice

No Brasil, a ideia de confinamento de pessoas em asilos e casas de repouso, e a maneira como as pessoas eram tratadas nesses ambientes, começaram a ser debatidos em fóruns acadêmicos especializados a partir de vários alertas expressos nos anos 70. Casos de irregularidades e maus tratos ganharam espaço na mídia, sendo tratados, às vezes, de maneira sensacionalista. O que deu visibilidade ao tema do envelhecimento da população.

Antropólogos, sociólogos, nutricionistas, psicólogos, psiquiatras, profissionais de diferentes áreas de conhecimento se sentiram desafiados a pensar, pesquisar e elaborar teses sobre temas relacionados à velhice na sociedade contemporânea no mundo e, em particular, no Brasil. 

Um livro* lançado na década de 70, na França, de autoria da pensadora Simone de Beauvoir, tornou-se a principal referência para se pensar a condição dos idosos, a partir de então.

Em cada uma de suas mais de 700 páginas, a autora analisa a condição do idoso sob vários pontos de vista. Sem fazer concessões, madame de Beauvoir pautou o debate. O tom de toda sua argumentação está contido no seguinte trecho:

“Para a sociedade, a velhice aparece como

uma espécie de segredo vergonhoso, do qual

é indecente falar.”

E se era esse o olhar que a sociedade mantinha para com a velhice de uma maneira geral, fica fácil imaginar o comportamento da mesma sociedade para com aquela parcela desamparada de idosos, cuja perspectiva para o tempo que lhes resta  é a de viverem abrigados em uma instituição com as características de um asilo, comparado pejorativamente a um depósito de gente.

 A vida entre o luxo, o ócio e a necessidade

Os asilos de padrão invejável que Simone de Beauvoir conheceu nos Estados Unidos a convenceram de que eram instituições onde mesmo as pessoas em condições de pagar o preço mais caro por conforto e cuidados, recebiam em troca um serviço insuficiente.

Em outra passagem ela argumenta que para cada estabelecimento que oferece serviço personalizado, quartos individuais, salão de beleza, hora de coquetéis e fisioterapia, “subsistem dezenas que fazem todas as economias possíveis para tirar proveito da subvenção concedida pelo Estado.”

Inatividade forçada, administração de remédios sem discernimento, a quantidade de alimentos das refeições regulada de acordo com o valor da subvenção pretendida são alguns dos problemas detectados em seu estudo. Mas a maior queixa era o pouco caso para com a vida privada da pessoa idosa:

 “Os velhos não têm a impressão de ter um objetivo

na vida, nem de algum dia realizar o que quer que

seja. E esse vazio é explorado por certos membros

do pessoal pouco escrupulosos, para jogar com sua autoridade...”

No século 21, mesmo com os avanços conseguidos na defesa dos direitos das pessoas idosas, a maneira como a sociedade enxerga a velhice mantém preconceitos que não são diferentes do que aqueles a que se refere Simone de Beauvoir em sua obra escrita no século passado. Por esse motivo seu livro continua servindo como referência quando se estuda, se analisa e se pensa projetos para a velhice.

*"A Velhice", de Simone De Beauvoir, edição Brasileira, 1990. Editora Nova Fronteira.

 

 

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