Quando a ficção se impõe à realidade.
Como jornalista, ela assinou muitos textos elogiados durante a maior parte de sua carreira de escritora. Ao focar seu trabalho no segmento da Educação, começou seu namoro com a ficção. Paola Gentile escreveu sete títulos para a Coleção Pequenos Craques, um jeito maneiro de abordar a infância de esportistas brasileiros. Mas quando quis produzir literatura para adultos, ela sentiu necessidade de buscar conhecimento.
“... resolvi que não tinha mais idade para ficar postergando nada.”
P – Depois de tantos fazendo jornalismo, como surgiu a vontade de escrever ficção? Prazer ou missão?
PG - Prazer, vontade de escrever algo diferente. Achei que, por escrever muito todos os dias, seria fácil escrever ficção, mas não foi. É outro texto, outra elaboração, é completamente diferente do texto jornalístico, até mesmo do texto do jornalismo literário de Truman Capote e de Gay Talese. É bem difícil.
P – Oriana é inspirada em uma personagem que você conheceu?
Nunca conheci alguém de nome Oriana. Não é ninguém de verdade e, ao mesmo tempo, é tantas professoras, no seu todo ou em partes, como todas as personagens de um texto ficcional. Fiz uma pesquisa de nomes diferentes e com significados e, quando vi esse nome, me veio uma cena muito bonita na cabeça, que foi a que eu escrevi sobre o nascimento dela.
“- Olha Dulce, essa luz do fim de tarde... deixa a menina que é um brilho só, quase dourada, vê que lindo esse seu bebê.”
P – Qual obra, ou quais obras, serviram de inspiração, ou referência, para você escrever “E Oriana comprou uma motocicleta”? Há alguma com a qual seu livro dialoga?
PG - Essa pergunta é bem difícil... Sei que toda obra se inscreve numa literatura já existente, mas não consigo lembrar objetivamente de nenhuma. Deve ter sido tudo o que já li na vida e tudo o que assisti – o flash back é um recurso muito de cinema, né?
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Ato ou efeito de trazer à memória fatos e emoções do passado, o uso do flash back no cinema e na literatura se tonou banal, em alguns casos desnecessários. Na narrativa que Paola Gentile construiu para seu novo livro, o flash back é recurso que ela incorpora de um jeito que se percebe como algo orgânico e necessário à trama. Mais um toque de seu talento de escritora de ficção pronta.
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P – Qual é a sua vivência dos ambientes que você descreve nessa história?
PG - Nem tudo é fruto de vivência ou experiência real, mas, sim, de criação literária de espaços, tempos e personagens. Entra, claro, um pouco de pesquisa e não posso desprezar tudo o que vivenciei nas viagens pelo Brasil. Mas nada do que está no livro é descrição de algum lugar que eu tenha ido ou de alguma pessoa que eu tenha conhecido. Senão seria livro-reportagem, não romance, não novela.
P – A partir da ideia inicial, passando pela escrita, até colocar o ponto final, quanto tempo você empenhou nesse projeto?
PG - Entre escritas e paradas, levei seis anos para escrever o livro. Começou como TCC no curso de Formação de Escritores que fiz no Instituto Vera Cruz. Só aí foi um ano e meio. Depois que entreguei o TCC, cerca de 100 páginas, o livro ainda não estava completo. Não peguei no material por cerca de um ano. Quando retomei, claro, tive de ler tudo o que tinha escrito e quase que reescrevi totalmente.
“Muitos maridos sentiam ciúmes da importância que as esposas ganharam socialmente ao formarem-se no curso superior.”
P – Por onde nascem suas histórias? Por exemplo: Oriana e sua moto: como surgiu a ideia?
PG - Como repórter e editora da Revista Nova Escola, viajei pelo Brasil todo visitando escolas e entrevistando professoras e professores. Com isso, testemunhei e escutei muitas histórias! Uma formadora contou que, uma vez, ao dar uma formação docente numa rede de ensino, um homem entrou armado e a ameaçou, dizendo que ela estava “desviando” a mulher dele, porque ela passou a se arrumar, vivia lendo, saía de casa nos fins de semana para estudar na capital... Essa história – e outras parecidas – ficaram na minha cabeça.
“Depois que a primeira escrita está concluída, não tenho pressa de finalizar, porque essa etapa é, para mim, a mais importante e produtiva.”
P – O que é mais fácil no seu processo: pensar a estrutura? Desenhar os personagens? Arquitetar a trama? Ou nenhuma dessas opções?
PG - Acho que o mais fácil é ter a ideia (e essas são muitas). O difícil é todo o resto: escolher o tipo de narrador e a voz que melhor pode contar o que estou querendo contar, a estrutura e os elementos que ajudam na verossimilhança.
P – Há autores que ficam ansiosos para concluir uma história. Não é esse seu caso.
PG - Eu gosto de burilar o texto. Depois que a primeira escrita está concluída, não tenho pressa de finalizar, porque essa etapa é, para mim, a mais importante e produtiva. É quando surgem imagens mais detalhadas das cenas, elementos que ajudam a compor a mensagem que quero passar e a caracterizar melhor as personagens.
"... a faculdade me deu bagagem para fazer uma revisão mais detalhada e cuidadosa. E coragem para publicar."
P – Quando o processo de escrever trava, o que você faz para destravar?
PG - Durante a escrita de Oriana, fiquei períodos muito longos sem escrever. Mas não foi porque “travou”; foi por insegurança mesmo de continuar. A escrita expõe muito quem escreve e acho que não estava preparada para isso. Até que resolvi que não tinha mais idade para ficar postergando nada. E odeio deixar coisas por terminar!
P – Tem alguma hora do dia que você sente que é mais propícia para escrever, que rende mais, de um jeito mais fácil e tranquilo?
PG - Não tenho ritual para escrever. Qualquer hora ou lugar serve, desde que eu não precise ficar interrompendo.
P – Em que cursar Letras ajudou você a se aventurar na ficção?
PG - Escrevi muito antes de fazer Letras. Fiquei parada uns anos e retomei quando estava no final do 3º ano. Acho que a faculdade me deu bagagem para fazer uma revisão mais detalhada e cuidadosa. E coragem para publicar. Não sei por que, mas achei que era a hora de finalizar essa empreitada com o fim da faculdade.
"Atualmente, qualquer livro bom me impressiona."
P – Quais são os autores/autoras brasileiros/as que conversam com sua cabeça de leitora?
PG - São tantos! Não vou falar dos cânones para não soar clichê. Dos contemporâneos, gosto muito do Joca Reiners Terron, do João Anzanello Carrascoza, do Itamar Vieira Jr. – que, com dois livros publicados já virou um clássico –, da Ana Maria Gonçalves e seu espetacular "Um defeito de cor"; Conceição Evaristo. Nossa, estou sendo muito injusta por não citar tantos outros...
P – E estrangeiros?
PG - Mesma linha, vou citar somente os contemporâneos: Joyce Carol Oates, Margarth Atwood, Karl Ove Knausgard, J. M. Coetzee, Valter Hugo Mãe, Mia Couto, Juan Pablo Villalobos, David Foster Wallace. Eu adoro o realismo fantástico dos latino-americanos! Todos eles: Jorge Luiz Borges, Julio Cortázar, Gabriel Garcia Marques, Mário Vargas Llosa, Ítalo Calvino. Faltou muita gente!
P – E quais obras que você não esquece?
PG - Os contos de Jorge Luiz Borges e os livros de Gabriel Garcia Marques foram muito marcantes na minha adolescência. Atualmente, qualquer livro bom me impressiona.
P – O que você espera que aconteça com a história que fabulou?
PG - Espero que as pessoas leiam, só isso.