O Imperador, o Papa e a cura das almas - 1
O imperador
Em 1841, quando foi sagrado Imperador do Brasil, Pedro II assinou decreto criando na cidade do Rio de Janeiro um hospital destinado exclusivamente ao tratamento de alienados, o qual recebeu seu nome.
O jovem monarca tinha 16 anos, e apesar de sua biografia afirmar que desde os quatro vinha sendo preparado para se sentar no trono, o fato é que não teria como, sozinho, avaliar a força do simbolismo que a criação do hospital representou naquele momento.
Além de sinalizar para a sociedade que seu jovem monarca se preocupava com a saúde mental de seus súditos, o decreto pontuava sua disposição de incentivar o desenvolvimento científico e a pesquisa, o que efetivamente acabou sendo uma marca de sua gestão.
Os mentores da decisão de Pedro II, a fina flor da geração de médicos versados no que havia de mais moderno no tratamento de alienados, prepararam a sociedade para esse momento ao longo da década de 1830.
Os doutores organizaram debates, participaram de tertúlias e publicaram artigos na imprensa e em revistas especializadas. Um trabalho de convencimento a respeito das vantagens do sistema terapêutico francês, considerado o mais moderno de sua época. Este foi o modelo que serviu de referência para a criação do Hospício Pedro II.
Ao dar força à medicina brasileira emergente para cuidar da “saúde da alma”, o gesto do jovem imperador deixou insatisfeita a hierarquia da Igreja Católica, por entender ser esta sua missão divina.
O Papa
Pio IX tinha 49 anos, em 1841. Talvez a única coisa em comum com Pedro II seja o fato de ter sido o primeiro Papa fotografado. Paixão do Imperador, não consta que em sua rica coleção de fotografias haja uma do sumo pontífice.
Em 1864, doze anos depois da inauguração do Hospício Pedro II, Pio IX apresenta ao mundo sua Encíclica Quanto Cura, condenando o que chamou de falso liberalismo. Ela foi acompanhada de um apêndice onde são apontados os “Erros de nossa época”, os quais todo católico apostólico romano deveria combater, por serem incompatíveis com a doutrina da Igreja Católica Romana. Um deles: a separação entre Estado e Igreja.
Seguidores ardentes das decisões papais no Brasil, dois bispos deflagram uma crise entre a Igreja e o Estado na década de 1870, ao atacarem irmandades em suas paróquias, sob a alegação de serem influenciadas por maçons, outro “erro” apontado pelo Papa que os católicos deveriam combater.
Como o Império não reconhecia as decisões tomadas por Pio IX, de problema paroquial a questão evoluiu para uma queda de braço entre Estado e a Igreja. Como se diz hoje, o debate viralizou, e não só no Brasil. Pio IX se dirigiu ao Imperador:
"Vossa Majestade […] descarregou o primeiro golpe na
Igreja, sem pensar que ele abala ao mesmo tempo os
alicerces do seu trono" (Pio IX)
(Continua...)